quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O Sol, esse Património Universal, [Setúbal na Rede]

[Setúbal na Rede] - O Sol, esse Património Universal


O Sol, esse Património Universal
Filomena Barata

Crónica Publicada na Revista Setúbal na Rede


Quis o momento que esta crónica fosse as que com mais dificuldades escrevi.
Regressada há uma semana da terra que me viu nascer, Angola, onde o Atlântico nos oferece praias sem fim, quando em Portugal, através do Projecto Portugal Romano, havíamos inaugurado o mês de Agosto a falar desse Oceano, sinto-me ainda como que num ponto no meio do mar.
Numa ilha pequena, talvez olhando o Sol a poisar-se devagar, ou um ponto entre a terra vermelha com árvores quase descabeladas a marcar a paisagem, silhuetas feitas de catos e imbondeiros, e um Portugal cujo Património deu ao Mundo a língua, costumes, tradições e uma arquitectura cujo estudo e conservação há que garantir a curto prazo.
Sinto-me ainda com desejo de mergulhar, numa viagem sem tempo e regressar para a minha terra-mãe, onde o sol se deita a maioria das vezes rubro como as rosas, mas a vida exige-me que fique deste lado do Atlântico, tentando semear devagarinho, para que um dia o «disperso se una num só», esperando que a Luz me acompanhe nessa Viagem.
E, porque, ao Atlântico que une os dois países de que sou cidadã, Angola e Portugal, já havia dedicado alguns pequenos trabalhos, aproveito este espaço para falar do Sol que, embora mais para uns do que para outros, ainda nasce para todos, pois, pelos motivos enunciados me sinto incapaz de falar hoje de um lugar específico.
Assim honrarei, agora que se aproxima o fim do Verão e em que os dias vão encurtando já, esse Astro que, pela sua força energética, condiciona a vida na Terra, e que, por isso mesmo foi reverenciado por muitas culturas e tradições, que o reconheciam como uma das principais forças no universo. 
 Adorado desde as primeiras sociedades nómadas, ao Egipto com Rá, o deus da "barca solar", o seu culto prevalece do Oriente ao Ocidente mediterrânico em época Greco-romana.

O Sol com a força vivificante dos seus raios desempenha genericamente o papel masculino e patriarcal e, por isso foi associado quer a Febos, quer a Hórus e mesmo a Mitra, essa divindade monoteísta que os soldados romanos importam do Oriente.
Ao contrário da Lua, o Sol que tem luz própria, é afinal a própria essência da Luz, e é quase sempre interpretado como símbolo masculino e por isso associado ao princípio Yang.
Ou seja, representa em muitos culturas, se bem que nem em todas, o princípio activo, enquanto a Lua é considerada um princípio passivo.
Ao Sol associa-se a noção de calor e de Vida, pois sem ele nada sobrevive.
Na Alquimia ele corresponde ao Ouro, encarnando a ideia do espírito imutável.

Sendo muitas bem vezes invocado como "olho omnipresente do Sol", como acontece no «Prometeu Agrilhoado», de Ésquilo, onde se adivinha a influência persa, pois ali Ormuzd é o mestre e criador do mundo, soberano, onisciente, deus da ordem, e o Sol é seu olho, o céu suas vestes bordadas de estrelas, na lenda mitológica grega prometeu é castigado por roubar o Fogo do Olimpo e dá-lo aos Homens. Também para os  Bosquímanos o Sol funciona como o "Olho do Deus Supremo".

O Sol ou Ormuzd, para os Persas, enquanto fonte de Luz, representava a Vida, a Saúde e a Fertilidade da terra enquanto criadora de todas as coisas necessárias à sobrevivência do Homem; por sua vez, à Lua ou
Ahrimã, atribuíam-lhe forças maléficas; as trevas e a esterilidade da Terra. 
As forças de Ahrimã, princípio da obscuridade, da desordem, do mal, são repelidas por Ormuzd, deus da luz, da ordem e do bem, que usa como arma o relâmpago, Atar.
Por sua vez, Mitra, essa divindade também de origem persa que os soldados romanos importaram para o Império, surge assim como um terceiro elemento, como uma espécie de divindade mediadora entre duas forças antagónicas, viabilizando o nascer de um novo dia, ou seja, não permitindo que a Lua ocultasse o Sol. 
Mais do que o Sol, Mitra representa a Luz Celestial, ou a essência da Luz, que desponta antes do Astro-Rei raiar e que ainda ilumina depois dele se pôr e, porque dissipa as trevas, é também o deus da Integridade, da Verdade e da Fertilidade, motivo pelo que também surge associado à força genésica do Touro.

Mitra, ou Mithras, cujo nome significa em Sânscrito «Amigo»; em Persa quer dizer «Contrato», trata-se de um Deus luminoso que incita os homens a seguirem o Seu caminho no combate pela Luz contra as Trevas.

Mitra tem naturalmente a força da LUZ, porque é a síntese da Luz do Sol e da Lua, e o Seu dia o Domingo é o dia dedicado ao seu culto. (no Latim pagão, domingo é «Dies Solis», ou «Dia do Sol»).

Talvez por isso mesmo a data do seu nascimento corresponda, tal como o nascimento de Jesus Cristo, ao Solstício de Inverno, momento a partir do qual os dias çomeçam novamente a crescer.

Em Roma, o culto do Sol remonta à sua fundação e ao que se conhece existiria um santuário dedicado Sol Indiges no Quirinal, construído por Tácio, rei dos sabinos.
E existiria um templo do Sol (assim como um para a Lua) no Circus Maximus, onde corridas de bigas decorreriam sob os auspícios dessas divindades (Tácito, Anais , XV.74; Tertuliano, De spectaculis , VIII.1) . 
Quer as festividades que se desenrolariam na Colina do Quirinal, bem como a fundação do templo se desenrolariam em Agosto, quando o calor do sol é mais intenso.

Em Roma, em 219 d.C., quando o imperador Heliogábalo havia regressado da Síria, onde ele tinha sido o sacerdote hereditário do deus sol Elagabal, introduz-se o culto do Sol Invictus.


Ao que dizem as memórias latinas, Heliogábalo, imperador da Dinastia Severa, nascido em Emesa Síria, em c. 203 d.C. e assassinado a 11 de Março de 222 d.C. que reinou entre 218 e o ano da sua morte,  ampliou em 219 d.C. o templo de Júpiter Ultor tentando manter os anteriores deuses romanos, por um lado, «mas também os de todo o mundo, e seu único desejo é que o deus Heliogábalo deve ser adorado em todos os lugares" (Historia Augusta , VI.7).


Ápós o assassinato do jovem imperador, três anos depois, o culto foi suprimido, para ser restabelecido meio século depois pelo imperador Aureliano (foi imperador entre 270-275), que erigiu um magnífico templo de Sol no Campus Agrippae ( Historia Augusta , XXV.6, XXXV.3, XXXIX.6; Aurelius Victor, XXXV.7; Eutrópio, IX.15.1).


Ao que dizem as fontes, terá sido em 274 d.C. um ano depois, do regresso do imperador da conquista de Palmira, onde vira "uma forma divina" (Sol) apoiá-lo na batalha contra Zenobia (XXV.3, 5).
«A partir daí, Aureliano identificou-se como a personificação do deus, que foi proclamado o protetor divino do imperador. A festa do solstício de inverno, quando os dias escuros do inverno começou a alongar e clarear, era conhecido como Natalis Solis Invicti , o aniversário do Sol invencível. (Mithras foi outra divindade solar oriental cuja festa foi celebrada em 25 de dezembro, seus ritos introduziu a Roma no primeiro século d.C por piratas cilícios, segundo Plutarco, Vida de Pompeu , XXIV.5)».

Ver:
http://penelope.uchicago.edu/~grout/encyclopaedia_romana/calendar/invictus.html
Deixemos, pois, que o Sol se vá escondendo mais cedo no Outono que se aproxima, sob os auspícios de Baco, cuja hera dará frutos, para que breve possamos provar o vinho novo e as castanhas que nos aquecerão as tardes mais frias.



quarta-feira, 19 de junho de 2013

[Setúbal na Rede] - Uma visita a Setúbal e Tróia no Solstício de Verão (reeditado de 2013)

[Setúbal na Rede] - Uma visita a Setúbal e Tróia no Solstício de Verão



Uma visita a Setúbal e Tróia no Solstício de Verão


Saudades tinha de ir ver o Alentejo, quando há uma quinzena atrás resolvi fazer uma rota já tantas vezes percorrida, atravessando em Direcção a Miróbriga, Santiago do Cacém, por caminhos iguais, mas sempre diferentes, pois em todos eles algo me surpreende sempre.

Refiz um Itinerário já aqui proposto do Vale do Sado e, em Alcácer, pode rever a belíssima exposição da Cripta do Castelo, bem como o Santuário do Sr. Dos Mártires onde a paz do fim do dia serena qualquer ânimo mais agitado.




Ente Grândola, na direcção da Comporta, tive a oportunidade de repousar num destes novos espaços de turismo rural, onde ainda é possível que o lazer conviva de braço dado com a exploração agrícola e pecuária.

Ali, soberanos sobreiros ainda marcam a paisagem e parecem recortar o entardecer quando se torna negra a silhueta, até que, rumando, no dia seguinte, a Miróbriga me deixei levar pelos murmúrios das «pedras que falam» e ali contam uma história sempre renovada de uma cidade de outrora, romana e, antes dela, de povos da Proto-história.

Mas, não é dessa caminhada que vos quero falar hoje aqui, mas de uma visita que a Associação Portugal Romano vai realizar no próximo fim de semana a Setúbal e às Ruínas Romanas de Tróia, sagrando, deste modo, o Solstício de Verão.

O ponto de encontro será o Museu de Arqueologia e Etnologia do Distrito de Setúbal, pelas 11h, onde a sua amável Direcção nos permitirá conhecer o acervo de materiais romanos aí existente e nos viabilizará uma visita a um mosaico, também de origem romana, localizado no interior der uma casa nas proximidades.

Rumaremos depois a Tróia, ao imponente complexo industrial sobre o qual também aqui já discorremos, onde esperamos conviver almoçando junto à Caldeira do Sado e assim fazer juz a esse momento em que se exalta a Vida, no seu esplendor.


Retomando um tema que muito me apraz, relembro que o Solstício de Verão marca o apogeu do percurso solar, como o Sol no zénite, no ponto mais alto do céu. Trata-se do dia da festa do Sol.

Dá-se a entrada do Sol no signo de Caranguejo.

O nascimento de S. João Baptista, a 24 de Junho, assinala, no mundo cristão, o solstício de Verão, enquanto o de Cristo corresponde ao solstício de Inverno. "Na tradição hindu, o solstício de Inverno abre a
 devayana, a via dos deuses, o solstício estival abre a otriyana, a via dos antepassados, que corresponde (...) às portas dos deuses e dos homens» (Chevalier, et alii, Diccionário dos Símbolos).

As festas de S. João são celebradas entre várias religiões e mesmo entre várias organizações iniciáticas, pois, para além da sua associação à água e ao Baptismo é também simbolicamente conotado com o fogo,  e o Sol, porque é através dele que tudo se vivifica, se reinicia um ciclo, integrando o anterior, mas passado pelas chamas purificadoras e regeneradoras.

São estas as palavras de São João Evangelista:  

“No começo era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.
Ele estava, no começo, com Deus. Tudo era feito por ele e, sem ele, nada se fez de tudo o que foi feito. A vida estava nele, e a vida era a luz dos homens, e a luz brilhava nas trevas, e as trevas não o receberam.”



É demais evidente através das suas palavras a ideia de uma passagem do Mundo das Trevas ao Mundo da Luz, motivo pelo que ainda nas festas populares também se salta à fogueira, queimando ervas de cheiro purificadoras.

O Fogo, esse Elemento que permitiu ao Homem evoluir enquanto espécie, fonte de energia que faz brotar a vida, renascendo diariamente, é considerado Sagrado desde a Antiguidade Remota e, quer na Antiga Grécia, quer em Roma,  guardado e transportado para as novas fundações, motivo pelo que, ainda hoje, os Jogos Olímpicos se iniciam com a entrega da tocha acesa. Os Solstícios que ocorrem quer no Inverno, quer no Verão, marcam mudanças fundamentais: são novos ciclos, tornando-se com cada um deles os dias mais longos e mais curtos, abrindo o Solstício der Inverno uma fase ascendente e o de Verão uma fase descendente.

Para as primeiras sociedades, a época das colheitas era  celebrada no dia mais longo do ano - O Solstício de verão, pois a sobrevivência durante o período invernal delas. Por seu lado, o Solstício de Inverno marcava a viragem para uma época de maior calor. Em Roma, os dois Solstícios são figurados através das duas faces de Janus, divindade das passagens, dos princípios e dos fins: uma face era de um jovem, símbolo do Futuro, e a outra a de um velho, símbolo do Passado e do ano que se prepara para o terminus a partir do Verão. Uma das faces dirige-se para a Luz e outra olha as Trevas, motivo pelo que a divindade era celebrada duas vezes por ano.


Não admira, portanto, que João, embora nascido em Israel, tenha também essa feição do romano Janus, que aqui se espelha em S. João Envangelista e em S. João Baptista.


E porque se aproxima o Solstício de Verão, o maior dia do ano, vamos ver a luz serenamente poisar junto a esse rio que corre de Sul para Norte e ver o sol poisar-se sobre o mar, pois a Lusitânia é, na Europa, o sítio onde ele se deitará mais tarde, não sei se rugindo como diziam os autores clássicos a propósito do Promontório Sagrado!

De acordo com certas variações do calendário grego – que diferiam amplamente por região e época – o solstício de verão era considerado o primeiro dia do ano. 
Vários festivais se realizavam nessa altura, designadamente o Cronia, que celebrava o deus da agricultura Cronos. 
O rigoroso código social era temporariamente suspenso durante o período de duração do Cronia, e até os escravos podiam participar das festividades em total igualdade, ou mesmo sendo servidos por seus senhores. O solstício de verão também marcava o início da contagem regressiva de um mês para o início dos jogos olímpicos.

Os Romanos nos dias que precediam o solstício de verão celebravam o festival de Vestália, que honrava Vesta, a deusa da família (conjuntamente com Juno zelava pelo casamento) e que protegia as mulheres e a virgindade.
Era, portanto,  a Deusa da Pira e do Fogo Sagrado.
Os rituais que lhe eram dedicados incluíam o sacrifício de um bezerro não nascido retirado, portanto, do útero de sua mãe. Esta era a única altura do ano em que era permitido às mulheres casadas entrar no templo das virgens vestais que guardavam a chama sagrada e lá fazer suas oferendas.

Deixemos junto ao Sado essa nossa homenagem ao Sol criador e a Vesta, essa divindade do Fogo Sagrado!


Junho, 2013.